sábado, 19 de fevereiro de 2011

PAI, POR QUE NÃO ME OLHOU?




Pai, hoje, observando-o, vejo seu semblante cansado e nos seus cabelos brancos sei que há muito de mim.

Pai, por que não me olhou?

Quero abrir um parêntese no período em que eu me afastei da minha própria vida.

Olhe-me pai, a partir do momento em que eu era apenas uma criança e que o senhor nos surrava, a mim e aos meus irmãos, porque fazíamos xixi na cama. Sabia que o senhor achava que nos corrigiria. Hoje, aprendi a me limpar sozinho e entendi : "que não devemos desprezar nenhum destes pequeninos...”

Olhe-me pai, a partir do momento em que eu já comia sozinho e o senhor nos reunia nos momento das refeições e nos ensinava a rezar olhando os alimentos que o senhor insistia em dizer ter trazido para nos alimentar. E batia novamente quando eu dizia que não gostava daquilo que estava servido. Hoje, aprendi a orar e entendi: “que nem só de pão vive o homem”

Olhe-me pai, a partir do momento em que saíamos em família com roupas novas, o senhor sempre foi zeloso com a nossa aparência, mas não podíamos brincar porque tínhamos que voltar para casa limpos. Sabia que o senhor queria conservar o tecido. Hoje, aprendi a agradecer e entendi: “Tendo, porém, sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.”
Olhe-me pai, a partir do momento em que o medo que eu sentia do senhor me dominava e eu corria para os braços da minha mãe para não apanhar mais e mais quando eu, brincando com os meus irmão, bagunçava a casa que o senhor exigia que mamãe sempre mantivesse em ordem. Hoje, aprendi a caminhar e entendi o verdadeiro: “Vinde a mim...”

Olhe-me pai, a partir do momento em que virei moço, e que o senhor nem se dava conta dos horários que eu chegava em casa. Sabia que o senhor estava cansado porque dobrava o seu turno no trabalho e ninguém podia fazer barulho, tínhamos que conservar o silêncio. Hoje, aprendi que há momentos sagrados e entendi que: “Havia muitos que iam e vinham e não tinham tempo para comer.”

Olhe-me pai, a partir do momento em que eu me divertia com colegas, que o senhor sequer sabia quem eram e nem a quais famílias pertenciam. Eu sei pai, que o senhor se preocupava demais somente com o que se passava dentro da sua casa. Hoje, aprendi a me resguardar e entendi o que significa: “Guardai-vos dos cães.”

Entenda, pai, que o parêntese aberto em um período que deveria ter sido a minha vida, mas que eu deixei de viver por conta de tantos vícios, não foram fáceis. Não me viciei porque quis.

Pai, sou fruto da sua árvore. Aves de rapina consumiam-me debaixo da sua sombra e o senhor não percebia que uma fruta sua apodrecia pendurada em seus galhos? “Por seus frutos os conhecereis”

Pai, por que não me olhou? Na rua me formei delinquente quando já não achava razões para voltar para o hospício silencioso que o senhor chamava de casa.

Mas hoje, pai, estamos unidos novamente. Eu, nesse monólogo íntimo, o observo sentindo uma vontade imensa de abraçá-lo e de pedir-lhe perdão por tê-lo feito sofrer dentro do parêntese que eu abri num momento da minha vida. Pai, tanto quanto o senhor, eu possuo dois ombros, escolha um e me ofereça um outro seu. Ambos, pai, precisamos chorar.

Porque eu entendi alguma coisa: “Levantar-me-ei e irei ter com meu pai...”

_ Pai, eu te amo. Posso abraçá-lo?




Rita Lavoyer

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ritalavoyer@hotmail.com