Começou a achar que nada mais aconteceria, nem antes e nem depois daquela “data querida”.
Quase não dormia; adormecia apenas, por medo de não acordar e viver “muitas felicidades”.
A ansiedade atormentava-lhe também o estômago. Via e sentia cada guloseima sendo feita para a ocasião dos “muitos anos de vida”.
Refeições já não lhe desciam. Reservava o lugar para o cheiro do que preparavam. Com os olhos já secos pela insônia e a inanição atormentando-lhe as vísceras, começou a delirar e, num surto, quis atacar os belos doces que enfeitavam uma mesa da sala onde receberiam muitos convidados para aquele esperado “ é pic! é pic!”.
Foi abordada quando levava os dedos àquilo que lhe cheirava tão bem aos olhos. Atordoada com um ‘croc’ que levou na cabeça, não entendeu as reprimendas da mãe que a alertava: “não é hora! não é hora”.
Ela esperava há muito por aquele “rá-tim-bum!” Assistia ao movimento da casa, os empregados em roda-viva e a aflição da mãe que não desgrudava do telefone, gritando com alguém do outro lado porque a roupa da criança ainda não havia sido entregue.
Na cozinha, montavam o bolo com muitos recheios que lhe escorreram pelo canto da boca. Levou os dedinhos mais uma vez e outro ‘croc’ ela saboreou. Dessa vez não escapou de um castigo de há dias no quarto.
O corre-corre continuou porque a festa para aquela data estava planejada e nada poderia sair errado.
A casa estava decorada com os mais variados enfeites infantis. As mesas, belamente enfeitadas, confluíam para outro salão igualmente abrilhantado para o aniversário daquela criança. A roupa, minuciosamente desenhada e bordada, enfim chegou. Uma serviçal a levou para o quarto onde a criança jazia o castigo por ter querido saborear o bolo do seu aniversário antes dos parabéns.
Perguntaram-se qual a razão daquilo.
Os convidados foram chegando e amontoando os presentes que não sabiam a quem entregar enquanto a mãe lamentava-se não saber nenhuma anomalia da criança.
Um bolo indesejado destoava em meio aos enfeites, enquanto velas acesas queimavam a felicidade atravessada de vontade de saborear as coisas daquela festa. Convidados assistiam àquela criança, degustando os quitutes, lamentando aquela data.
PS. Pais, esta minha história, hoje, é ficção, mas se eu não acordo a tempo, viraria realidade.
Texto publicado pelo Jornal Folha da Região em 10/06/2009.
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