sábado, 19 de fevereiro de 2011

AS SEQUELAS DO BULLYING




UMA CANÇÃO PARA DIONE.

Na certidão: Dione Francisco.



Dione era calmo; seu semblante, angelical. De seus olhos amendoados podia-se extrair brilhos multifacetários, e ele os multiplicava em suas doações, para enfeitar ainda mais os traços finais de sua cútis de porcelana.


Os lábios de Dione tinham contornos delicados e a cor de carmim exalava uma saúde inspiradora de onde fluía sorriso farto.
Os cabelos cacheados escondiam-lhe os ombros. A malha grudada na silhueta, mostrava peculiaridades expostas num corpo de mito. Assim a natureza o fez, assim a natureza o queria.


O Dione se fazia amigo dos colegas com uma força exagerada de se sentir igual. Dione era igual aos demais “diones”, embora os seus semelhantes o diferenciassem.
Em riste um, outro e tantos mais, foram os dedos que apontavam-no em julgamentos depreciativos.
Oh, Dione! Meigo Dione!

O tempo encurtava-se e as horas prometidas aproximavam-se. Seus passos delicados, outrora firmes, flutuaram sobre os ponteiros que marcavam o momento da dança no compasso das ameaças. Sem um par, Dione dançava no palco marcado com vara de giz.


Com a sua física indefesa, provou trocas de energias, perdendo de vez as suas partículas elementares. Castraram sua biologia, subtraíram-lhe sua igualdade.
Rasparam-lhe os cabelos, deram cabo àquele sorriso de paz. Os seus olhos injetados de sonhos foram chutados, fecharam-se diante de tanta impiedade.


Suas folhas voaram com o desespero do vento, levando, manchada, a sua história mal escrita ao tempo. O semblante daquele que um dia foi, é, agora, deformação. Do seu nu estendido no chão, uma geografia desfigurada escorria entre os vegetais daquele meio natural de relações.
Faixaram-no Johnny. “Johnny Francis.”

Oh, Dione! Como eu o vejo, agora, nesse chão pisado e cuspido por “homens de fibra”?
Cadê você, meu amigo? A sua casa, o seu sobrenome, a sua identidade cadê?

Que vontade de abraçá-lo e protegê-lo, mas cadê você, meu irmão, nesses pedaços de corpo que eu vejo?

Ouça a minha canção, meu filho querido! Que eu cantarei a tantos como você. É um pouquinho do que posso fazer. Quero cantá-los.

Ah! Esqueço-me, sempre, que eu não sei cantar... Sempre mesmo!

A minha voz não é bela, o meu som não tem ritmo, mas eu quero tanto uma canção para você, meu esposo!
Vá, meu amante, ouvir a canção que palpitou no seu peito, e arregaçou as mangas do seu verbo de vida.
Vá, no balanço da alma, exalar o seu perfume sem mais e nem menos.

Vá, meu pai amado, celebrar o bailado da sua pureza. Da natureza foi parte integrante, mas quantos amantes não o conheceram no amor.

Oh, criatura perfeita! Em quantas canções ainda tem que gritar? Lá, no seu encalço, pregaram um decalque e prometeram arrancá-lo com a justiça das mãos.


Quem sabe no palco de Apolo um anjo lhe cante uma música. Porque na do homem, você dançou Johnny. Você dançou!
Onde estiver aprenda: antes de ir à guerra cante uma canção em louvor ao seu deus. Já sinto, companheiro! Já sinto, que no oráculo ouvirá melodias de amor.
Vá até ele, um deus o espera para brincarem juntos com um disco cuja canção não desfigure o seu semblante de gente.
Ouça canções, querido! Ouça canções.
Perdoe-me, Dione! Perdoe-me, mas eu não sei cantar.

Rita Lavoyer


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